Interview with Bráulio Queiroz
Quando o conheci eu trabalhava numa companhia de seguros, e ele era nosso segurado. Daí começamos a fazer uma certa amizade.
Havia entre nós uma diferença de idade muito grande, e não sei porquê, ele sempre tinha comigo muita atenção e conversava muito, sobre a vida dele e sobre assuntos particulares. Era uma pessoa muito inteligente, muito amável, um homem muito simpático, alegre, mas ao mesmo tempo um grande sentimental. Era um homem muito alegre, mas ao mesmo tempo um grande sentimental. Era especialmente, sensível às coisas da vida e muito apegado aos seus familiares.
Em primeiro lugar o seu porte de pessoa era de um homem muito bonito, tinha um cabelo de poeta, transmitia muita alegria e gostava muito de conversar. Enfim, era um ser humano simples, bondoso e de elevada perspicácia.
Alberto Valença fez o curso na França onde ficou algum tempo. falava sempre de sua estadia e dos lugares por onde andou na França.
Minha amizade com ele começou por volta de 1940, quando eu comecei a trabalhar na Companhia. Durante todo este tempo pude conhecê-lo melhor. Trinta anos depois, quando deixei de trabalhar na companhia para fazer outras atividades, perdi totalmente o contato com Valença.
Eu nunca fui à casa dele, nem ele a minha, mas mantínhamos um relacionamento cordial e até certo ponto confidencial. A senhora mãe dele parece que morreu muito velha, e ele se preocupava muito com ela, "a velhinha" como ele sempre falava. Um fato que marcou muito a sua vida foi a morte de sua primeira mulher. Este fato deixou ele muito chocado, sempre demonstrava sua sensibilidade com o ocorrido, tive oportunidade, algumas vezes, de ver as lágrimas caírem de seu rosto.
Vez ou outra aparecia no escritório da Companhia, localizada em cima do Elevador Lacerda. Nós saíamos e nos sentávamos confortavelmente em umas poltronas, deixava a minha carteira, e íamos conversar.
Sempre admirei muito a sua obra, como sempre gostei muito de visitar museus, me tornei um apreciador da arte. Me falava sobre seus trabalhos, principalmente os que empreendia para uma determinada família muito amiga sua, a família Costa Pinto. Ele retratou todos os seus familiares, era uma família das mais tradicionais da época.
Eu brincava muito com ele, e dizia: "professor eu ainda quero comprar uma marinha em sua mão. Quando tiver uma marinhazinha lá sobrando eu quero comprar." Um belo dia me apareceu ele com um embrulhozinho e disse: "aqui está pela sua ajuda, eu trouxe um borrão de presente." "Pediu que eu não reparasse” e descreveu até onde era, uma ponta de recife que tem em direção ao mar, próximo a Itapuã. Essa marinha eu guardo com muito carinho e até já repassei para meus filhos. Eles falam de vez em quando em vender, mas este quadro eu não vendo é de Valença. Eu sabia que ele me queria muito bem e me tinha em confiança.
Como eu ia falando, a senhora dele morreu, a primeira mulher. Ele ficou muito comovido e abalado. Um dia conversando comigo, confidenciou-me que estava gostando de uma senhora que morava em Brotas. Segundo ele, ela era muito atenciosa e cuidadosa, e que por vezes ele ia lá almoçar. Ela esmerava em atendê-lo, em preparar seu almoço ou coisa semelhante. Enfim, o tratava com muito carinho.
Passado algum tempo ele veio e me contou que a senhora estava grávida. Isso mexeu muito com a vida de Valença. Como ele era um homem muito sensível e sentimental ele dizia: "Já pensou a essa altura dos anos um filho." Apesar da diferença de idade nós conversávamos muito, sempre na sala de espera da companhia. Como eu trabalhava com seguros ele disse que queria fazer um seguro,mas se preocupava com a idade avançada que possuía. Ele já tinha um seguro na CIA. Eu perguntei a idade dele e vi que ele tinha limite. Conversei com ele e perguntei sobre algumas coisas particulares, necessárias para o seguro, como não constatei nenhum problema de saúde avisei que poderia fazer o seguro. Na época foi feito um seguro dos bons, dos maiores feitos na CIA. O seguro foi em benefício dessa senhora.
Quando Valença pintava ele se dedicava aos seus trabalhos, Se pintava aquele morro ali, ele chegava digamos às 10 horas da manhã, ele olhava o céu, a luminosidade, olhava tudo, botava a prancheta dele e andava sempre com um tripé e uma mala de tintas. Era muito comum vê-lo no bonde em direção a Orla e ele fazia aquilo religiosamente. Se o tempo não era o mesmo ou a luminosidade não era a mesma ele não prosseguia com o trabalho, que só era feito ao vivo. Ele gostava de olhar a beleza do mar, do céu, das coisas. Caso isso não fosse possível, ele voltava pra casa e deixava que chegasse o tempo. Tive, também, a oportunidade de algumas vezes vê-lo pintando nu artístico.
Eu tive a oportunidade de visitá-lo uma vez ou duas, na Rua 28 de Setembro, ele chamava "Rua do Tijolo." A Escola de Belas Artes era lá embaixo, e ele sempre me convidava para uma visita. Eu mantive contato com ele durante muitos anos, depois perdi o contato, pois ele tinha sempre muito trabalho, era muito solicitado. Para mim, ele lembrava a figura de Castro Alves, aquela cabeleira solta, vestia-se bem mais discretamente.
Bráulio Queiroz