Sônia Castro

Alberto Valença, meu velho e querido professor de desenho-de-modelo vivo, da Escola de Belas Artes, fim da década de 50, rua do Tijolo, (28 de setembro já, na época), palco de muitos acontecimentos estudantis e sociais, alguns dramáticos, outros felizes. Naquele tempo, o curso de Pintura, assim como o de Arquitetura, Gravura e Escultura, faziam a estrutura da velha escola, no prédio antigo, mas sempre conservado novo, restaurado. Talvez resultado do prestígio do diretor com o reitor Edgar Santos.

O velho Valença, como todos os chamavam com carinho e respeito, não era dado a muitas intimidades com os alunos, mas, às vezes, conversava muito e contava suas experiências no atelier de pintura, em Paris e as velhas estórias da Academia Julian, marco do estilo de pintura que fez famosas e duradouras, conhecidas e reverenciadas, as obras de grande números de artistas. Apesar de sua docilidade, Prof. Valença era muito exigente e sofria com as desastrosas tentativas acadêmicas dos alunos no atelier de pintura, quando raramente conseguíamos um elogio, mas não era difícil algumas brincadeiras. Ele era extremamente discreto e passava sempre ao largo, nos corredores da escola, mas, por diversas vezes foi buscar-nos na cantina da escola, quando filávamos sua aula, para jogar ping-pong.

Parecia triste, fechado e silencioso por um longo momento, como se estivesse viajando pelo passado, mas, de repente, retornava à realidade e contava suas estórias parisienses.

Sabíamos que amava muito sua esposa e sua tristeza foi visível quando ela faleceu. Ele chorava e chorava. Alguma coisa o deixava inconformado com as artes plásticas na Escola de Belas Artes ou descontente com o caminho que a própria arte tomou, mesmo antes daquele tempo. Era diferente de todos os outro professores. Falava baixinho, muito educado e por diversas vezes, irônico e sarcástico, com certa dosagem de bom humor.

Uma figura bonita, de cabeleira branca cheia e despenteada, que ele ajeitava com os dedos, numa certa elegância muito particular, do terno cinza escuro, gravata e o guarda-chuva inseparável. Uma figura!

O momento que mais me lembro com meu velho professor Valença, no atelier de pintura, era quando indignado com os trabalhos dos alunos, repetia sempre "Ah, mon Dieu de la France, sauvez-moi ... "

Sua  pintura era como ele, pura melancolia, como a postura e o comportamento comprometido com o seu passado, principalmente o passado de sua arte e de sua velha e querida Paris, Ele e Presciliano, talvez formassem a dupla de remanescentes artistas plásticos, de uma geração ainda evidentemente influenciada com o fim do século passado europeu, que parecia ainda muito presente e atual, pelo menos na Bahia da década de 50. Não sei exatamente as raízes de tais ligações profissionais, mas, sem sombra de dúvidas, eles eram indiscutivelmente os dois maiores representantes daquela forma de arte, que Salvador, naquele tempo, considerava da maior qualidade e importância.

Sônia Castro
Abril, 1996