As Influências Francesas do Pintor Alberto Valença, por Sante Scaldaferri

“Ne touchez pas. Ne touchez pas monsieur”. Assim ele começava a recontar o fato de estar pintando ao ar livre e um velho mestre francês, cujo nome não recordo, olhando para a tela disse: não toque mais senhor. Era a lição para seus alunos captarem que o pintor deve saber quando o quadro está pronto, quando não deve ser dada mais nenhuma pincelada, sob pena de estragar o trabalho. Ou então dizia “Le secret de la peinture, c’est la lumière”. O segredo da pintura está na luz. E na prática durante as aulas de Desenho de Modelo Vivo, insistia para os alunos desenharem com os olhos semi-cerrados, o que servia também para quando fossem pintar. Isso era para captarem melhor as “manchas”, o claro-escuro, ficando a obra sem muita definição, procedimento este herdado dos impressionistas.

Essas e outras contava didaticamente o Prof. Alberto Valença, cuja estadia na França onde estudou em Paris, como aluno da Academia Julian, muito marcaram a sua formação de pintor.

Ele absorveu não só os ensinamentos teóricos, como também os artesanais que os franceses chamavam la cuisine (uma analogia com uma verdadeira cozinha). Isto é, a mistura e preparo das tintas, dos óleos, a aplicação de vernizes, o uso de carvão, os chassis, as telas, os pinceis, os apetrechos e ferramentas etc., resultando em um aprendizado muito bom do seu ofício.

E estes ensinamentos, teóricos e práticos, é que ele procurava com todo o empenho transmitir aos seus alunos.

Prof. Valença era um homem muito sensível e se emocionava facilmente, indo constantemente às lágrimas. Costumava sempre dizer: “Eu sou sincero”, e realmente não mentia. Com estas palavras, ele se referia à arte moderna querendo justificar a sua não adesão devido a não acreditar nela. Isto ocorria na década de 50, quando fui seu aluno e a arte moderna em Salvador já tinha dado os primeiros passos no rumo de seua definitiva implantação. A Escola de Belas Artes, cujos padrões de ensino eram regidos pelos cânones acadêmicos vindos da Ecole de Beaux-Arts de Paris, foi o último baluarte a cair. E o Prof. Valença, ao lado da quase maioria dos professores da Escola de Belas Artes, manteve-se fiel ao seu pensamento e aprendizado, não tomando conhecimento das linguagens da arte moderna que já existia antes deles estudarem na Europa.

Não só ele, mas Presciliano Silva e Mendonça Filho, professores com a mesma formação e com estudos na Europa, mais ou menos da mesma época, mesmo tendo adotado uma linguagem ultrapassada, foram tão bons artistas dentro do que se propuseram a realizar, como excelentes professores.

Posso afirmar que Valença era um homem bondoso e muito rigoroso quanto às suas convicções. Dos três gêneros de pintura mais em voga na época, ele foi um mestre do retrato, da paisagem e das marinhas.

Para nosso reconhecimento e deleite, seus quadros podem ser vistos em vários museus, principalmente os de Salvador e em coleções particulares.

Lembro sempre com carinho e saudades o meu velho mestre que, ao lado de todos os outros meus professores da Escola de Belas Artes, deixou ensinamentos muito úteis para o meu aprendizado.

Sante Scaldaferri (1928-2016)
Pintor e ator baiano