Entrevista com Humberto Peixoto

Pergunta: Como conheceu o professor Alberto Valença?

Eu estava no quinto ano de medicina e resolvi frequentar a Escola de belas Artes como aluno livre. Comecei em escultura com Pascoal e tinha aula de desenho com Mendonça Filho. Valença tomava conta de uma turma de pintura ele e Presciliano. Eu aí vi pela primeira vez, todo de preto e cabelo grande de pintor.

Na época um artista, só o artista usava aquela cabeleira maior. Valença era um homem muito triste, estava viúvo, tinha perdido a esposa.

Ele havia se casado com Letícia que havia sido aluna na Escola de Belas Artes, e teve um filho que se chama Antônio Alberto. Nesse período eu me dava as vezes passar por ele corrigindo os desenhos, na maioria das vezes não corrigia muito. Já Presciliano tinha mania de sentar e redesenhar o trabalho do aluno. Mas ele não, dava mais informações, orientava para que o próprio aluno desenhasse. Daí eu comecei a me dar com ele e ficamos muito amigos. 

Tinha um amigo que era João Gama que depois foi aluno e professor da Escola de Teatro, ele também pintava e as vezes aos domingos nós íamos a casa dele na Gamboa. Lá tinha um atelier onde pintava. Alberto ficava conversando e não pintava nunca, aliás nunca pintava na frente de ninguém, só pintava sozinho porque era muito tímido. Certa vez eu e Alberto ficamos sozinho, botei um papelão no cavalete e comecei a desenhar e a pintar. Depois eu disse: - olhe Valença isso não é justo, eu que não sei pintar e você é um mestre aí parado servindo de modelo para mim. Então eu pedi que trocássemos, eu fiquei de modelo e ele pintou. Eu sou radiologista e naquela época utilizavam os papelões que vinham nas caixas para proteger os filmes de mais ou menos 30 por 40 cm. Depois da minha proposta naquele dia ele começou a pintar o meu retrato. Quando ele começou a pintar esse retrato eu estava com uma camisa verde claro e ele disse: "essa camisa você não lava enquanto eu não terminar o trabalho, porque pode esmaiar um pouco e o reflexo fica prejudicado."

Além disso ele tinha mania de só pintar em determinadas épocas, ele dizia que sol, dos trópicos estava muito forte no verão, nessa época ele não fazia paisagens. O período que ele mais gostava de pintar era de abril a setembro. Segundo ele era quando a luz era mais fraca e o céu ficava colorido, mais bonito. Os horários preferidos para ele pintar era cedo da manhã ou ao cair da tarde. Tanto que você pode ver que muitos quadros são ao cair da tarde.

Aconteceu uma coisa interessante lá na penha, junto a um tamarindeiro em Itapagipe. Ele começou a pintar um quadro, se deslocava para o local de bonde e assim levava todo seu material. O quadro estava inacabado e quando retornou ao local haviam colocado fogo na grama, então ele arrumou tudo e retornou para casa, achava que não podia pintar por que o capim havia sido queimado. No ano seguinte, na mesma época ele retornou para terminar o quadro pois o capim já estava verde. Muitos artistas fazem a mancha ao ar livre e depois no atelier retoca. Mas ele não, era fiel demais. Embora a interpretação dele seja muito rica, muito técnica, muito boa, mas ele não tinha coragem de fazer isso e voltar para casa e terminar.


Pergunta: Valença recebeu influência de artistas europeus?

Quando ele foi para a Academia Julian, durante os dias do inverno ele frequentava muito os museus. Mas, o que mais lhe chamava a atenção eram os impressionistas. Ele era um homem que entendia muito de arte e gostava dos museus que frequentava. Em muitos museus ele sabia, só em olhar, de quem era a pintura. E eu pude comprovar isto algum tempo depois, aqui na Bahia, quando fiz um negócio com um Marchan. Era um Marchan da Europa que estava em penúria financeira, e havia trazido muitos quadros para serem vendidos em todo a America do Sul. Uma das exposições foi feita aqui na Bahia, foi quando comprei um quadro de Gabriel Vier, na época medalha de ouro no Salão de Paris. Na verdade eu só comprei este quadro porque ele gostava muito e também fui muito influenciado por Presciliano. Só que eu queria uma outra moldura para o quadro, moldura de camacaia e o Marchan havia trazido muitas destas molduras. Havia uma moldura de um quadro que não tinha sido exposto por conter um pequeno defeito. Eu gostando do quadro, resolvi comprá-lo, pois era um quadro de Jorge Leroux.

Certa vez, quando Valença foi em minha casa eu disse a ele que havia comprado um quadro, mostrei-lhe e perguntei de quem era. Ele olhou distante e disse. Parece Jorge Leroux e eu confirmei. Ele realmente tinha uma memória visual fantástica.

Em outra ocasião, quando eu passava uma temporada no Rio de Janeiro Dorival Teixeira que era da turma da época, chamava Valença de "Museu", porque ele conhecia e descrevia todas as obras de todos os artistas que estavam nos museus da Europa. Ele até foi convidado na época, para ensinar pintura no Canadá, mas ele não quis, não aceitou o convite, pois era muito tímido.

Eu tinha um amigo, Valdemar Loges, cujo sogro morava nas proximidades do Largo Dois de Julho, área que dava para o mar.  Dizia este amigo que quando estava próximo da viagem para a Europa, Valença ia para o Largo Dois de Julho onde ficava olhando o mar, dizia:

- É por ali que eu vou-me embora. Alguns dizem que era a timidez de ir para a Europa.


Pergunta: Qual a sua opinião sobre o professor Alberto Valença?

Eu o considero como um dos maiores pintores que a Bahia já teve. Além dele eu convivi com Presciliano Mendonça, justamente na época em que eu comecei a Escola de Belas Artes. Mas na minha opinião dos três artistas o melhor era Valença. Presciliano era um bichão, um negócio fantástico, desenhava maravilhosamente, pintava de forma inigualável. No entanto, Valença captava melhor o colorido da Bahia. Ao ar livre eu acho que o Valença foi o maior de todos. Não sei se era o mais sentimental, mas foi quem conseguiu captar melhor a luz da Bahia.