Juarez Paraíso
Tive o privilégio de realizar o meu mestrado de Desenho com o Mestre Alberto Valença e ter sido por ele considerado o seu discípulo predileto é motivo de muita satisfação e orgulho, pois Alberto Valença foi um dos homens mais sensíveis e intransigentes que conheci. Foi longo o meu convívio com o Mestre Alberto Valença e pela sua dignidade, dedicação e excepcional competência era um dos nossos modelos de Artista, exemplo a seguir. Durante a década de 50 as personalidades artísticas mais responsáveis pelo caráter da Escola de Belas Artes, ideologia e credibilidade, eram Presciliano Silva (aposentando-se) Alberto Valença, Mendonça Filho, Emídio Magalhães e Ismael Barros, cada qual com a sua magia e extraordinária habilidade, como intérpretes da natureza e testemunhas da vida.
Sensibilidade à flor da pele, temperamental, contemplativo, sofrido e sofredor, Alberto Valença sempre nos impressionou pela sua postura de artista e inquebrantável obstinação na busca da forma que melhor expressasse a sua percepção romântica da natureza.
Não fazia concessões como Artista ou professor e dava gosto ver e ouvir Alberto Valença, falar sobre arte, corrigir os desenhos de Modelo Vivo, sempre implacável e desafiando o melhor da observação e sensibilidade dos alunos mais talentosos. Ouvir um elogio de Valença era sempre um prêmio disputado por todos, mais que poucos alcançavam na infindável busca da estrutura técnica e estética mais condizente ao desenho da figura humana. Nas aulas de Modelo Vivo, sempre situava o exemplo de Ingres, a busca da expressão plástica e linear que contradizia o próprio espírito acadêmico, da proposta final que era a figuração humana em termos ideais, neoclássicos, predominando ao final o nível de abstração plástica.
Nos retratos interiores de Alberto Valença também permanece o rigor do ofício e da disciplina, a discrição perspectiva da forma. Os retratos são atentamente construídos e predomina em muitos a concepção Rembrandtiana do espaço e da forma, emergindo da luz como energia concentrada o aspecto mais nobre do tema, a face, haja visto o expressivo retrato de D. Ana, datado de 1932. Mas a herança acadêmica do seu grande Mestre Manoel Lopes Rodrigues jamais comprometeu a poética pictórica de Alberto Valença, graças a sua extraordinária sensibilidade para as cores. Era um colorista por excelência. Na verdade o seu talento natural para as sutilezas cromáticas realiza-se mais espontaneamente com a pintura de "plein air" e os artistas que mais despertam a sua admiração foram Daubigny, Harpignies e Corot, claro, sem falar em Presciliano Silva, seu professor, grande amigo e companheiro.
Alberto Valença é o grande pintor baiano dos casarios, marinhas e paisagens crepusculares Não foi inventor de formas, embora seduzido pela abstração da cor da luz em alguns quadros, mais um excepcional pintor sensitivo e apaixonado interprete da natureza. Nas suas pinturas predomina a suavidade da matéria pictórica dos impressionistas, uma certa inconsistência formal, onde a luz morna e lânguida comunica um tocante sentimento de nostalgia. O Mestre Alberto Valença era um homem solitário, mas, como todo verdadeiro artista acabou compartilhando as suas emoções e sentimentos mais íntimos através da arte que foi capaz de criar.
Juarez Paraiso
Abril de 1991