Sylvio Santos Faria

Desde garoto, com meus 10 (dez) anos, tomei conhecimento da beleza dos quadros de Alberto Valença na residência do meu saudoso tio, o reitor Edgard Santos. Não o conheci,  então, pessoalmente.

No ano de 1953, nomeado Assistente de Ensino do Curso de Arquitetura, da UFBA, Disciplina de Economia Política e Direito das Construções, convivi com ele, pois o Curso de Pintura, da Escola de Belas Artes, funcionava no mesmo prédio, na Rua 28 de Setembro. Esta convivência durou até que a Faculdade de Arquitetura foi transferida para a  Av. 7 de Setembro, zona da Vitória, onde funcionava o Colégio Shophia Costa Pinto.

Lembro-me muito bem do dia em que o retratado se apresentou, pois fomos à Escola de Belas Artes, eu, Américo Simas Filho e Oscar Caetano, de bonde, cujo ponto era do outro lado da Av. Sete, junto ao prédio atual do Museu do Estado e onde funcionava a Secretaria de Educação, todos professores de Arquitetura. Saltamos do bonde, lá pelas 17 horas, na Praça Castro Alves e nos dirigimos pela Rua Ruy Barbosa, descendo a Ladeira da Praça, para alcançar a Rua 28 de Setembro, onde se realizou a comovente solenidade, com o homenageado bastante emocionado e em prantos, como acontecia constantemente face à sua facilidade de se deixar emocionar a propósito de sua condição artística.

O Professor Valença era um notável artista, apaixonado pela natureza e pela sua Obra. Prendia-se aos trabalhos, que estava executando, e nutria a ânsia da perfeição, de maneira que jamais considerava terminado o trabalho, achando sempre que faltava alguma coisa ainda a fazer. Algumas vezes, pelo que se contava no ambiente de trabalho, insistia em modificar o quadro e chegava, ao final, à conclusão de que deveria desistir, abandonando o trabalho para nunca mais recomeçá-lo. Por vezes, manifestou-me o inconformismo com certos pintores da época, preocupados menos com a arte do que com a aceitação dos trabalhos de pintura pelo mercado. Não admitia que seus trabalhos fossem apreciados pelo lado material da aceitação do mercado. Para ele, tal conduta era até imoral.

O apego que ele tinha aos quadros de sua autoria criava um estado de espírito contrário á entrega do trabalho a quem lhe encomendara. Assim, era muito difícil a entrega da  encomenda. Sabendo de tal circunstância e desejado possuir um quadro de Valença, com todo o apreço, que ele me dedicava, resolvi apelar para o seu filho, também grande amigo e companheiro de trabalho no Desenbanco. 

Nestas condições, tenho na minha coleção uma marinha da Pituba, por sinal reproduzida no livro de Clarival Valadares, editado pela Fundação Odebrecht.

Posso dizer que Alberto Valença era um exemplo de retidão de caráter nas relações de família, no trato das artes plásticas, enfim, na sociedade, totalmente desprendido dos bens materiais e apaixonado pela Arte.
Valença, cuja formação artística, se fez na Europa, onde trabalhou e produziu com grandes pintores franceses do começo deste século XX, sempre se opôs à improvisação na pintura, em que o autor abreviava o trabalho com propósito de apressar o giro econômico da mercadoria, a que, no seu entender e com boa razão, se reduzem os trabalhos da chamada arte moderna, consideradas as exceções raras no meu entender. Sou testemunha da sua santa ira contra tais autores modernistas.

Valença, juntamente com Presciliano Silva, Mendonça Filho, Nilton Silva e outros pintores clássicos, representam uma Escola, que nunca poderá ser esquecida, seja pela beleza, seja pela qualidade do trabalho paciente, seja pelo detalhe do desenho. A História confirmará esta assertiva de um simples admirador.

Influenciaram a obra de Valença os seus mestres franceses e, na Bahia, Lopes Rodrigues.

Confesso que desconheço os obstáculos enfrentados por Valença para alcançar o patamar de Mestre. Sinceramente, se eles existiram, nunca ouvi falar. Sei que a Universidade Federal da Bahia, sob a liderança de Edgard Santos, sempre o considerou uma das mais altas expressões culturais e o seu nome, em qualquer parte, sempre a engrandeceu e a qualifica.

Sylvio Santos Faria